Não sejamos pessimistas. Apesar do título, esse não é dos textos catastróficos e depressivos. Não! Na verdade esse deve ser o primeiro texto efetivamente esperançoso escrito nesse blog. Sem dúvida é um texto desiludido. Não é ufanista e nem animador (no pior sentido que essa palavra possa ter). Estamos longe de propor um efeito “motivacional”. Seria tosco, leviano, pecaminoso, ofensivo e irresponsável prometer um dia de sol no meio de um dilúvio. Esse é um texto de esperança. Não qualquer esperança. Esperança de verdade
No prefácio ao terceiro volume da sequência de Porque pensar não é pecado, escrito no final de 2013, mencionei o grito que vez por outra soltávamos nas manifestações de julho daquele ano: “amanhã será maior, amanhã será melhor”. Na ocasião comentei que era óbvio que nós, manifestantes, sabíamos que não seria melhor e nem maior necessariamente. Mas, de qualquer modo, nos agarrávamos ao chavão como grito de esperança. Quer dizer, achávamos que aquilo era esperança. Não era. Era uma crença – um “torcer pra dar certo”. Um ânimo sonhador e valente, mas ainda muito imaturo e infantil. Poderia ser, talvez um grito de “desejo”, mas não de esperança. Esperança de verdade não ousa gritar sobre o amanhã. Esperança de verdade não fala sobre a passagem do “tempo” cronológico, mas sobre um lugar…
Nem maior e nem melhor. O grito era certo; mas não expressava esperança, apenas nosso desejo. E cumpriu com seu papel: saciado o desejo, findou todo o movimento. Se fosse esperança de verdade, não morreria. Esperança não é apenas a “última que morre”; ela nasce da experiência com a morte, ela nasce junto ou talvez até da morte. Esperança não é um acreditar no progresso e melhoria do amanhã. É uma qualidade de nosso trabalho. Esperança é trabalhar ou projetar com os materiais disponíveis e a partir daquilo que já se foi, sobre o chão que está sob nossos pés, nossa história, nosso castelo. É esperançoso o vivente que constrói uma nova casa apesar de ter visto aquela em que morava ser destruída por um incêndio. É esperançoso quem tem filhos apesar de ter visto a morte dos próprios pais. É esperançoso o desejo de produzir a vida mesmo sabendo como é o trabalho de parto.
Comblin dizia que esperança não é sensação ou sentimento, mas qualidade da ação. Esperança não é o frio na barriga por acreditar no melhor ou maior de amanhã. Isso é desejo, ânimo, expectativa, ansiedade até. Pode ser, sem maldade ou sentido negativo, uma ilusão. Esperança é qualidade de nossa ação: o modo de realizar projetos. Mais que isso: o que é transmitido àquilo que produzimos com nosso trabalho cotidiano. Somos trabalhadores. Trabalhar é gastar energia para lutar contra a perda total de energia: se matar para não morrer. O trabalho pode ou não ser esperançoso. O que determina não é a sensação enquanto se trabalha; mas a consciência do lugar em que se está trabalhando: os limites, os materiais disponíveis, a história do trabalho passado. Esperança depende de um processo de conscientização.
Não é o grito! É o processo de conscientização. Esperança exige maturidade – até um pouco de rudeza, de ser casca grossa. Conscientização não é saber o que está acontecendo, estar ciente do mundo. Conscientização é, como Paulo Freire aprendeu-ensinou, um modo de agir no mundo: “não pode existir fora da práxis, ou melhor, sem o ato ação-reflexão […] conscientização é um compromisso histórico: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece”. Esse é o processo de conscientização que possibilita a verdadeira esperança: permite que o trabalho seja ou não esperançoso, produtor de esperança. Continuar lendo